ENSAIO SOBRE CLARA DOS ANJOS, DE LIMA BARRETO: ROMANCE




O capítulo quatro do romance Clara dos Anjos deixa a entender as intenções de Cassi Jones de seduzir a menina de 17 anos. O sedutor, passado dos 30 anos, pretende tirar vantagens da menina e os alunos do segundo ano do Ensino Médio foram incentivados a compor “um novo fim para o capítulo”. Seguem as composições de nossos autores.

Parabéns às famílias e a tod@s que se empenharam nessas novas produções textuais.

 

Hoje, romance fantástico da aluna Júlia Mendes, da turma 2A.

Boa leitura!!!

 

Na manhã seguinte, Clara acordou com uma surpreendente disposição. Mesmo com todos os acontecimentos da noite anterior, ela não deixaria que o julgamento precipitado de seus pais a afastassem do homem que ela acreditava amar. Tal pensamento alegrou seu jovial coração, ela em toda sua inocência nunca tinha sentido algo do tipo e estava certa de que era amor.

Tendo total certeza de que suas lamentações não mudariam os pensamentos de seus pais, ela começou a elaborar uma estratégia, não apenas para mudar a opinião de seus rígidos pais, mas também para conquistar definitivamente o coração do jovem violeiro de passado duvidoso. Com esse intento em mente, a jovem moça acordou meia hora mais cedo para decidir qual vestimenta ela usaria para ir à aula de bordado de Dona Margarida, aula esta que Clara acompanhava com esforço, pois sabia que quanto mais prendada fosse, mais chances ela teria de ser reconhecida como uma esposa promissora para alguém da classe social de Cassi Jones.

O simples pensamento das longas horas de costuras e bordados que estavam por vir faziam com que os seus longos e delicados dedos doessem. Clara sacudiu a cabeça rapidamente como se tal movimento pudesse afastar os seus pensamentos e tentou focar apenas nas modéstias vestimentas  diante de si. Enquanto as analisava, percebeu que todas eram opacas, sem cor e sem brilho. Será que era assim que as pessoas me vêem? Pensou a jovem.

Por fim, decidiu por um vestido azul claro na altura dos joelhos, suas alças finas acentuavam o dorso da jovem fazendo com que a pele negra da região de sua clavícula

reluzisse como ouro no sol intenso do Rio de Janeiro. 

Apesar de ter saído de casa com um leve casaco branco de renda por cima do vestido, já não o usava mais, o amargo sol da cidade não permitira mais do que uns dez passos

antes de fazer com que Clara se sentisse sufocada, como se todo o calor estivesse vindo de dentro de seu ser. Enquanto a bela jovem andava por seu bairro, parecia não haver diferenças entre o céu claro e sem nuvens acima e sua própria pessoa, era como se um pedaço do céu tivesse descido para abençoar toda a região do Méier.

Quando faltavam apenas algumas ruas para chegar à casa de Dona Margarida, Clara decidiu que aquele clima merecia ser saboreado com mais afinco e como se fosse uma prece secreta para mais dias de doçura como aquele, ela parou na humilde padaria de Seu João para comprar um sorvete. 

– Bom dia Seu João, eu gostaria de um sorvete de morango, por favor. – disse Clara enquanto sorria para si e colocava uma nota de dois mil cruzeiros no balcão.

Por um momento Clara pode perceber certa hesitação nos olhos do padeiro, como se ele estivesse tentando reconhecer quem era a jovem em sua frente, como se fosse um fantasma em um novo corpo.

Enquanto saboreava seu sorvete perto de um dos poucos ventiladores do local, Clara percebeu uma viola estranhamente familiar, mesmo antes de seus olhos terem certeza de quem era o dono daquele familiar instrumento, seu coração já dava cambalhotas com a mínima possibilidade de ser o homem que ela amava.

E lá estava ele, sentado em uma das mesas do local, com mais quatro rapazes, dos quais ela só reconhecia Arnaldo, um conhecido ladrão da região, pois seus pais a haviam avisado para ficar longe dele e de qualquer pessoa que tivesse relação a ele. Ela então teve a brilhante ideia de deixar o dia do seu amado tão doce quanto o dia dela estava sendo, pediu então que Seu João adicionasse mais três doces a sua conta.

E com o coração na boca e os beijinhos na mão, Clara andou até a mesa onde os rapazes se encontravam, mas parou repentinamente quando escutou a conversa ardilosa que eles dividiam.

–Como foi a festa daquele torrão de açúcar ontem, Cassi?– perguntou o jovem branco com fisionomia empastada, demonstrando grande curiosidade.

–Três meses. Eu aposto que em menos de três meses eu consigo fazer Clara ser minha, se não fosse pelo endiabrado do padrinho dela, eu apostaria em um mês e meio. – disse Cassi, enquanto colocava suas duas mãos atrás da cabeça, com a postura mais relaxa possível, como se não estivesse falando de uma pessoa, com sentimentos, mas sim de um pedaço de carne.

– Além do mais – continuou ele – ela nem é tão bonita assim, a filha desse padeiro aqui vale muito mais a pena, além de ser mais nova já está mais bem formada. – disse o mestre violeiro enquanto bebericava sua bebida.

Naquele momento, com aquelas poucas palavras, o mundo de Clara caiu, e toda a doçura de seu dia foi substituída por um azedo irremediável, que ela tinha certeza que ficaria preso em sua língua por semanas, se não meses.

E como se o clima reagisse aos sentimentos de Clara, o céu fechou, trazendo consigo nuvens negras. E com um simples estrondo, o mundo ficou mais molhado, não apenas pela chuva que já caia fortemente do lado de fora, mas também pelas lágrimas salgadas que escorriam pelo seu rosto da jovem.

Com um simples movimento Clara deu as costas para aqueles rapazes, mas acima de tudo, para sentimento que outrora ela sentiu. Seguiu para casa cabisbaixa, se sentindo

completamente humilhada, e molhada, pois na alegria do seu dia, tinha se esquecido de levar o guarda-chuva.

Os beijinhos que antes representavam um cumprimento ao amor chegaram ao seu destinatário como beijos de despedida.

Enquanto se preparava para responder aos questionamentos de sua mãe sobre por qual motivo ela faltou à aula de Dona Margarida, Clara olhou pela pequena janela de seu quarto e pode notar um leve arco Iris, quase que invisível aos olhos se visto pelo ângulo errado, mas para ela, aquilo representava sua prece particular de que ainda havia esperança em seu coração, era a promessa de um futuro mais colorido.

 

Fonte da imagem: <https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:LimaBarreto.jpg>

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