BIBLIOTECAS NA FICÇÃO: A BIBLIOTECA DE SHAWSHANK (Um Sonho de Liberdade)


por Alexandre Xavier Lima


Uma biblioteca pode ter, dentre seus objetivos, o caráter ocupacional. Além de sua missão de garantir informação ao indivíduo, pode atuar em sua reabilitação. Garantidas por lei de execuções penais no Brasil, desde 1984, as bibliotecas prisionais ilustram essa realidade, sendo um sinal de esperança para muitos detentos (confira http://www.febab.org.br/cbbp/). Na ficção, a biblioteca da penitenciária estadual de Shawshank, do filme Um Sonho de Liberdade (1994), cumpre esse papel. Inspirado na novela Rita Hayworth and Shawshank Redemption, de Stephen King e dirigido por Frank Darabont, o longa-metragem acompanha o personagem Andy Dufresne, que cumpre prisão perpétua, por ter supostamente assassinado a esposa. 

Designado pelo diretor da penitenciária para o trabalho na biblioteca, Dufresne conhece a realidade através do bibliotecário e detento Brooks Hatlen, sempre acompanhado por Jake, um corvo de estimação. Lá encontrou um cenário semelhante a um porão abandonado, com paredes mofadas, livros e revistas empilhados, paredes descascadas, iluminação precária e móveis quebrados. Nessa situação precária, a tarefa do bibliotecário consistia unicamente em distribuir pelas celas os livros e revistas.

As leituras restringiam-se no acervo às publicações da National Geographic (revista de geografia e ciências), Reader’s Digest (revista de variedades), Louis L’amour (autor de histórias de faroeste), Revista Look (revista de entretenimento, com ênfase em fotografias), Erle Stanley Gardners (autor de histórias de detetive), apenas localizados por Brooks.

Na narrativa, Andy passou 6 anos pedindo fundos ao estado para compra de livros, uma dura realidade para as instituições culturais no Brasil ainda hoje. Ao final, por insistência, ganhou livros de irmandades e instituições beneficentes, além de um pequeno recurso financeiro do estado que foi investido e revertido para a biblioteca de Shawshank. Assim, reformou o espaço e organizou a coleção. De vazio e entulhado tornou-se um lugar bonito, com acervo diversificado, frequentado, figurando nas páginas da revista Look, o que deu fama ao diretor da penitenciária.

Nessa biblioteca reformada, Dufresne pode executar um dos princípios da biblioteconomia, a organização e catalogação do acervo. Parece ser uma atividade simples, mas o responsável pela tarefa precisa descrever a obra, o que demanda o conhecimento sobre o conteúdo do texto. Para dar conta do empreendimento, Dufresne e seus colegas realizam um mutirão. Em uma das cenas do filme, podemos ver alguns exemplos dessa atividade, como a catalogação do livro A Ilha do tesouro, registrado como ficção e, aventura; e de Consertos de Carros, registrado como texto educativo. A classificação sempre vai suscitar discussões e até divergências quanto à seção que pertence. O personagem Red, amigo de Dufresne, entende muito bem disso. O romance O Conde de Monte Cristo seria classificado como ficção/drama. Sabendo que se tratava de uma história de um homem que foge da prisão, propõe ironicamente a possibilidade de ser classificado como educativo, tendo em vista a sua condição de cárcere. Se por um lado a classificação pode reduzir aquilo que a obra realmente representa, por outro, torna-se essencial, pois, em muitos casos, é a única maneira de encontrar uma obra em meio à imensidão de uma coleção.

Uma biblioteca pode ainda se tornar um espaço facilitador de ensino. A narrativa ilustra essa realidade muito bem, quando Dufresne alfabetiza o colega de prisão e oferece condições, para que, nesse mesmo espaço, o colega possa realizar as provas para adquirir certificado de escolarização. As atividades de leitura e de ensino representam diminuição da pena, pois o estado vê nesse gesto do detento interesse em melhorar e se reintegrar à sociedade. Aproveitando uma das imagens criadas no filme, para o indivíduo que descobre essas atividades é a possibilidade de não se sentir como um livro fechado, ou seja, completamente isolado do mundo.

O personagem Red, ao refletir sobre a condicional, achava que a realidade é muito difícil. É muito difícil sobreviver aqui fora. De fato, há momentos semelhantes ao vazio que sentimos quando terminamos a leitura de um bom livro. O desafio é encontrar nesse livro o convite para o próximo, seja por uma referência, seja por curiosidade. O importante é fazer das leituras um lugar onde as coisas façam sentido.


Fonte da Imagem: <https://www.tvmagazine.com.br>

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