OLHOS D'ÁGUA por Hanna Mel
OLHOS D'ÁGUA
As vozes de nossas avós ecoaram no fundo do navio negreiro.
O tempero do mar é sangue de preto, as marés guardaram aqueles olhos, nossas eternas mágoas.
Correntezas violentas constroem nossos olhos, temos olhos d'água.
Minha mãe sempre costurou a vida com linhas de ferro,
e eu tecerei nossas vidas nessas linhas.
Eu esbarrei com Deus nos becos ontem,
ele era uma mulher preta, carregava seu filho no colo, e rios embaixo dos olhos.
Hoje o morro chora.
Barracos tremeram com a tempestade, seus olhos choviam cálices de lágrimas.
O céu, em silêncio, ora.
As noites já não adormecem nos nossos olhos.
Que já têm mais olhos que sono.
O medo berra em silêncio,
mas nossa fome grita.
Mães enfiam pedaços de nuvem nas bocas de suas crianças, antes que se desmanchem só em sonho de comida.
Eles já não enxergam nossos olhos,
temos apenas rios calmos sobre a face.
Temos os olhos da natureza
Tempestades vêm e nossos olhos chovem
Assim como o morro quando os barracos começam a tremer
Não temos mais medo da morte, vimos ela de perto.
Nós combinamos de não morrer.
Foto do artista francês JR, Morro da Providência: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Escalier_2287_hd_0.jpg>
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