BIBLIOTECAS NA FICÇÃO: O NOME DA ROSA

BIBLIOTECAS NA FICÇÃO: O NOME DA ROSA

por Alexandre Xavier Lima

A existência de bibliotecas é quase tão antiga quanto o livro. Parece ser consenso o seu papel para preservação da memória escrita de uma sociedade. Curiosamente, esse espaço milenar mexe com a nossa curiosidade. Quem nunca imaginou a lendária biblioteca de Alexandria, ou desejou descobrir os segredos da biblioteca do Vaticano? As possibilidades são tantas que serviu de cenário para muitas narrativas ficcionais. Por isso, somos levados a recuperar alguns exemplos de bibliotecas nos livros e nos filmes. Neste texto, somos conduzidos ao universo medieval reconstruído por Umberto Eco em O Nome da Rosa. Nesse romance, o Frei Guilherme, ex-inquisidor, aceita a missão de investigar a morte de um monge (Adelmo) em um mosteiro beneditino. No entanto, é impedido pelo abade Abbone de penetrar no local em que provavelmente o incidente ocorreu. Esse lugar é justamente a biblioteca da abadia. 
No diálogo entre esses dois personagens, recuperamos a ideia de biblioteca que cada um representa, a começar por Frei Guilherme, homem erudito, orientado pela razão e pelo conhecimento. Esse personagem conhece a fama da biblioteca que deseja, no início da narrativa, periciar. Ela não só tem mais livros do que qualquer biblioteca cristã, como também é capaz de rivalizar com as lendárias bibliotecas do oriente. Mais do que reconhecer a fama, Frei Guilherme revela um aspecto importante - aquela biblioteca é um lugar de intensa produção intelectual: 
“Sei que dos monges que vivem entre vós muitos vêm de outras abadias dispersas por todo mundo... só aqui podem encontrar as obras que iluminam a sua pesquisa” (p. 48).
Como é possível perceber, é um lugar de trocas culturais e de construção de conhecimento, mesmo no declínio da Idade Média.
O abade não só tem conhecimento dessa fama, como reconhece o papel de sua instituição:
“Ora se Deus confiou à nossa ordem uma missão, ela é a de se opor a esta corrida para o abismo, conservando, repetindo e defendendo o tesouro de sabedoria que os nossos pais nos confiaram.” (p. 49).
A biblioteca seria o lugar de preservação de uma cultura que se encontra ameaçada pelos novos costumes. Diferentemente de Frei Guilherme, a biblioteca não seria espaço de diálogo entre tradição e inovação. Para justificar a restrição ao seu acesso, o abade diz que apenas o bibliotecário sabe os segredos daquele lugar:
“Só o bibliotecário, além de saber, tem o direito de se mover no labirinto dos livros, só ele sabe onde encontrá-los e onde repô-los, só ele é responsável pela sua conservação”. 
Outro argumento refere-se ao conteúdo dos livros. Acredita que “nem todas as verdades são para todos os ouvidos”. Caberia ao bibliotecário controlar o acesso a fim de que os monges não fossem guiados por “insensata curiosidade”. Apesar de a abadia dispor de um acervo fantástico, a visão conservadora restringe o desenvolvimento do conhecimento. Seu temor é tão grande que personifica a biblioteca:
“A biblioteca defende-se por si, insondável como a verdade que acolhe, enganosa como a mentira que encerra. Labirinto espiritual, é também labirinto terreno. Poderíeis entrar e poderíeis não sair.” (p. 51).
Que sejamos seduzidos pela curiosidade: adentremos pelos labirintos do conhecimento! Neste caso, é bom não ter saída.

Fonte da imagem: <https://www.publicdomainpictures.net/pt/>

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