Casa “mal assombrada” ou “mal-assombrada

Casa “mal assombrada” ou “mal-assombrada”

Fonte da imagem:
https://eideguimaraes.wordpress.com/2009/10/31/dia-das-bruxas-%E2%80%93-halloween/

por Alexandre Xavier Lima

Com o Novo Acordo Ortográfico, procurou-se sistematizar o uso do hífen, aquele traço horizontal que ninguém sabia ao certo quando usar. De acordo com a nova regra, quando a palavra é formada por “mal” seguida de vogal, H ou L, deve-se utilizar o hífen. Portanto, quando o desejo é se referir a uma construção arrepiante – assombrada pelo mal -, a forma certa é “casa mal-assombrada”. Todavia, a antiga forma desencarnada ganhou vida própria. Anda por aí, meio penada, assustando alguns desavisados. Veja como identificar uma “casa mal assombrada”:

Não foi erguida sobre o cemitério clandestino, onde se enterrariam vingativos criminosos.
Graças à moderna engenharia, a casa não levou décadas para ficar pronta, nem levou a óbito seus construtores.
Nunca foi palco de sacrifícios macabros de uma seita secreta.
Não há indícios de maldição envolvendo antigos moradores, uma vez que a casa é de único dono. Os moradores são inclusive descolados, segundo as fotos e o perfil de suas redes sociais.
O quintal é pequeno. Não há espaço para árvores de tempos imemoriais. Apenas algumas flores.
Não tem assoalho de madeira rangendo. No anúncio, dizia que a casa é de porcelanato.
Não há escadas em espiral que funcionem como armadilha, pois a casa é térrea.
Não há manchas estranhas nas paredes. O ambiente é sempre claro, arejado e funcional. Não há quartos lacrados. No máximo, um pouco bagunçados.
Não há passagens secretas, sequer sótão, onde, porventura, morariam entidades sobrenaturais.
Os olhos nos quadros não acompanham os passantes. As obras são de pop arte.
Não há lençóis brancos sobre a mobília, nem teia de aranha nos cantos. A faxina é feita com regularidade.
Animais peçonhentos ou asquerosos não aparecem misteriosamente. Os proprietários realizam constantemente dedetização.
À noite não se ouvem gritos, nem ranger de correntes. No máximo, ouve-se o filme de ação da TV.
As crianças não sentem arrepios. Seus pesadelos restringem-se às provas no final do bimestre, sem nenhuma relação com a casa.
Os funcionários, ou melhor, os colaboradores ainda pertencem a esse mundo. Dispõem de CPF, carteira de trabalho e conta bancária.
Não há testemunho de vultos, nem vozes noturnas, que não sejam dos seus viventes.
Em noites de tempestade, a janela não fica abrindo, nem o galho da árvore faz sombra tenebrosa no quarto.
As luzes não vacilam senão por motivos técnicos da fornecedora de energia.
Mas... algo tira a paz de seus moradores...
Sobre o aparador da sala, as contas do dia a dia. Que assombro!

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