ALFÂNDEGA, de Adélia Prado

 ALFÂNDEGA



Adélia Prado


O que pude oferecer sem mácula foi

meu choro por beleza ou cansaço,

um dente exraizado,

o preconceito favorável a todas as formas

do barroco na música e o Rio de Janeiro

que visitei uma vez e me deixou suspensa.

‘Não serve’, disseram. E exigiram

a língua estrangeira que não aprendi,

o registro do meu diploma extraviado

no Ministério da Educação, mais taxa sobre vaidade

nas formas aparente, inusitada e capciosa — no que

estavam certos — porém dá-se que inusitados e capciosos

foram seus modos de detectar vaidades.

Todas as vezes que eu pedia desculpas diziam:

‘Faz-se de educado e humilde, por presunção’,

e oneravam os impostos, sendo que o navio partiu

enquanto nos confundíamos.

Quando agarrei meu dente e minha viagem ao Rio,

pronto a chorar de cansaço, consumaram:

‘Fica o bem de raiz pra pagar a fiança’.

Deixei meu dente.

Agora só tenho três reféns sem mácula.


Fonte do texto: <https://www.culturagenial.com/poemas-adelia-prado/>.

Fonte da imagem: <https://pixabay.com/pt/illustrations/flor-girassol-fundo-borboleta-4124558/>.

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