MACACO, OLHA O TEU RABO!
MACACO,
OLHA O TEU RABO!
Ando
meio melancólica, com saudades da infância e da adolescência essa semana...
Hoje, por força da data, acordei pensando em Judas Iscariotes. Precisamente no
papel que ele ocupava quando eu era criança, porque Sábado de Aleluia era o dia
de fazer parte da molecada que construía um boneco para depois arrebentar todo
com pancadas... Truculência pura! Selvageria! Normalmente, representava um
adulto de quem não gostávamos ou um coleguinha que, ao nosso olhar, era chato.
Era um ato de bullying institucionalizado e permitido.
O
Judas infantil era mais ameno do que o feito pelos adultos, no entanto... O que
ficava exposto no poste tinha nome e era acompanhado de uma listagem com feitos
de moradores... Por esse papel, sabíamos quem traia a esposa, quem roubava
namorados alheios, quem fazia uso de drogas ilícitas, qual era o síndico que
roubava o condomínio do prédio tal, enfim, fofoca em alto grau. A listagem era
o dedo acusador e muitas vezes inventor de fatos...
Mais
do que simbolizar a traição máxima, o Judas era aquele que continha todos os
“pecados” dos moradores, era o único culpado, era o conforto para todos que, em
oposição a ele, eram santificados a cada Sábado Santo...
Mais
do que objeto para extravasar agressividade infantil reprimida, o Judas
encarnava todas as faltas dos moradores da Fazenda Botafogo, e as pessoas que
ele representava eram achincalhadas publicamente – adultos também praticam bullying,
adultos praticam bullying o ano todo, mas ninguém comenta tal fato...
Mais
do que o bode expiatório sacrificado para purificar toda uma comunidade, ele nos
dizia, embora na época eu não ouvisse tal voz, que ver o outro e criticá-lo
mordazmente é não olharmos para nós mesmos e vermos como contraditórios,
falhos, medíocres, infelizes somos... Minha avó tinha um ditado que usava quando
em nossa família falávamos mal de alguém: Macaco, olha o teu rabo! Depois disso
se fazia um silêncio sepulcral...
Angélica
Castilho
Rio
de Janeiro, 11 de abril de 2020.
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