"O Guardador de Rebanhos", parte 1
Fernando Pessoa foi um maravilhoso poeta português. Segue o
primeiro trecho do poema “O Guardador de Rebanhos”, assinado pelo seu heterônimo
Alberto Caeiro. (Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~magno/guardador.htm)
Durante as quintas-feiras seguintes, postaremos as partes
restantes.
Boa leitura a todos e a todas! 💗
Eu nunca guardei
rebanhos,
Mas é como se os
guardasse.
Minha alma é como um
pastor,
Conhece o vento e o
sol
E anda pela mão das
Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza
sem gente
Vem sentar-se a meu
lado.
Mas eu fico triste
como um pôr de sol
Para a nossa
imaginação,
Quando esfria no fundo
da planície
E se sente a noite
entrada
Como uma borboleta
pela janela.
Mas a minha tristeza é
sossego
Porque é natural e
justa
E é o que deve estar
na alma
Quando já pensa que
existe
E as mãos colhem
flores sem ela dar por isso.
Como um ruído de
chocalhos
Para além da curva da
estrada,
Os meus pensamentos
são contentes.
Só tenho pena de saber
que eles são contentes,
Porque, se o não
soubesse,
Em vez de serem
contentes e tristes,
Seriam alegres e
contentes.
Pensar incomoda como
andar à chuva
Quando o vento cresce
e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem
desejos
Ser poeta não é uma
ambição minha
É a minha maneira de
estar sozinho.
E se desejo às vezes
Por imaginar, ser
cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado
por toda a encosta
A ser muita cousa
feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o
que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem
passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio
pela erva fora.
Quando me sento a
escrever versos
Ou, passeando pelos
caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num
papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas
mãos
E vejo um recorte de
mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu
rebanho e vendo as minhas idéias,
Ou olhando para as
minhas idéias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente
como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que
compreende.
Saúdo todos os que me
lerem,
Tirando-lhes o chapéu
largo
Quando me veem à minha
porta
Mal a diligência
levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes
sol,
E chuva, quando a
chuva é precisa,
E que as suas casas
tenham
Ao pé duma janela
aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo
os meus versos.
E ao lerem os meus
versos pensem
Que sou qualquer cousa
natural —
Por exemplo, a árvore
antiga
À sombra da qual
quando crianças
Se sentavam com um
baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da
testa quente
Com a manga do bibe riscado.
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