BIBLIOTECAS NA FICÇÃO: A Biblioteca do Nautilus



por Alexandre Xavier Lima


Quando pensamos em biblioteca, geralmente imaginamos um edifício onde a coleção é organizada e disponibilizada para que o usuário a consulte. Contudo, nada impede que a biblioteca seja móvel, isto é, que vá ao encontro do seu leitor, ou o acompanhe. Essa última alternativa é ilustrada muito bem por Júlio Verne, na obra Vinte Mil Léguas Submarinas. Nessa narrativa de aventura ambientada no século XIX, o Professor Aronnax, um especialista em vida marinha, é incumbido de desvendar qual monstro marinho tirava o sossego dos navegantes. Durante a viagem descobre o Nautilus, uma grande máquina que percorre os oceanos, sob o comando do Capitão Nemo. Essa embarcação era capaz de submergir e chegar a lugares apenas imaginados pelo ser humano - engenho descrito muito antes do surgimento dos submarinos. 

No interior do Nautilus, encontra-se a menina dos olhos do Capitão Nemo, a biblioteca com seus 12 mil títulos, concentrando tudo que a humanidade escreveu de proveitoso e formando uma espécie de cápsula do tempo. A biblioteca é descrita da seguinte maneira:

"Contornando a sala, estantes altas em jacarandá escuro, incrustadas com peças de cobre, abrigavam um grande número de livros, uniformemente encadernados sobre compridas prateleiras, terminando na base em amplos e confortáveis divãs estofados em couro marrom. Leves carteiras móveis, aproximando-se e afastando-se à vontade, permitiam descansar o livro a ser lido. No centro, uma grande mesa, coberta de publicações, entre as quais sobressaíam alguns periódicos já amarelecidos. A luz elétrica inundava todo aquele harmonioso conjunto, tombando de quatro globos foscos parcialmente embutidos nas volutas do teto".

Maravilhado com a biblioteca, Aronnax acreditava que ela poderia figurar em qualquer palácio, já o Capitão Nemo considerava o fundo do mar o melhor lugar por causa de seu absoluto silêncio. A propósito, o fundo do mar também é perfeito para as pesquisas de Aronnax. Dessa forma, além da possiblidade de explorar o fundo do mar, esse cientista podia desvendar os conhecimentos acumulados naquela coleção, estabelecida por Nemo até o dia em que submergiu pela primeira vez. Inclusive, o cientista propõe reconhecer o ano em que o Nautilus começou a funcionar pela data de publicação do livro mais recente. Assim, o livro mais novo da coleção denunciaria o ano em que o Capitão Nemo iniciou suas expedições (1865). 

O acervo conta com obras-primas antigas e modernas, “tudo que a humanidade produziu de mais sublime em história, poesia, romances e ciência; de Homero a Victor Hugo, de Xenofonte a Michelet, de Rabelais à sra. Sand". É claro, com destaque para seu principal interesse: os livros, boletins e periódicos científicos. O detalhe é que os títulos ficam dispostos de forma “aleatória”. Na verdade, a disposição obedece ao interesse de seu criador. Portanto, a aparente disposição pode indicar o modo de pesquisa de seu colecionador, por isso que muitas coleções de grandes estudiosos, quando doadas a alguma biblioteca, são preservadas da maneira como seu antigo dono a deixou.

Apesar de representar uma cápsula do tempo, a biblioteca é o espaço ativo onde Aronnax realizava suas leituras e escrevia suas memórias, enquanto o Nautilus avançava a 200m de profundidade. Servia ainda de consulta para obter informações, como, por exemplo, sobre ilha do Ceilão, local visitado pelos exploradores. Outro indício de que o acervo, mesmo estabelecido antes da viagem, não era estático se observa na produção de mapas, como o de Atlântida, ou ainda as experiências de Nemo, anotadas às margens do livro de Aronnax (As Grandes Profundezas Submarinas) – essas experiências, muitas vezes, reformavam as teorias do cientista.

A narrativa sugere que os livros são os últimos laços do Capitão Nemo com o mundo. Esse exemplo ficcional nos faz voltar o olhar a essa tecnologia milenar, que é o livro, e perceber que está ali um importante indício de nossa humanidade, enfim, daquilo que nos enlaça nesse mundo.

 

Fonte da imagem: acerco pessoal de Alexandre Lima

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